Ciganos no Brasil | Da Marginalização à Resistência

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Ciganos no Brasil | Da Marginalização à Resistência

Enquanto os portugueses desbravavam o Atlântico rumo ao Brasil, um grupo seguia escondido nos porões dos navios: os ciganos. 

Expulsos de Portugal por serem considerados 'indesejáveis', eles chegaram aqui não como exploradores, mas como sobreviventes. E assim começou uma história de invisibilidade e resiliência que dura mais de cinco séculos.

Os primeiros registros apontam que, já no século XVI, ciganos desembarcaram na Bahia. Divididos em clãs como os Calon (de origem ibérica) e os Rom (do leste europeu), trouxeram consigo não apenas suas caravanas, mas habilidades que se tornaram essenciais em um país em formação. 

Homens trabalhavam como ferreiros, consertando ferramentas para engenhos de açúcar, ou como comerciantes de animais. Mulheres vendiam tecidos, faziam rendas e, em segredo, mantinham viva a língua romanì — um código de resistência contra a assimilação forçada.

Mas a vida no Brasil colonial não era fácil. Assim como na Europa, os ciganos foram acusados de 'vagabundagem' e 'furtos'. Em 1718, um decreto real ordenou sua expulsão do Maranhão. 

No século XIX, leis proibiram que se estabelecessem em vilas. O resultado? Comunidades inteiras se tornaram nômades não por escolha, mas para fugir da perseguição. 

Nas feiras do Nordeste, porém, encontraram um espaço de sobrevivência: negociavam cavalos, consertavam panelas e, aos poucos, se integraram ao tecido cultural local — mesmo que à margem.

Hoje, estima-se que haja entre 800 mil e 1 milhão de ciganos no Brasil. Muitos vivem em acampamentos às margens de rodovias ou em periferias urbanas, como em São Paulo e Minas Gerais. 

A tradição nômade persiste, mas com novos desafios: famílias lutam por acesso a água potável, saúde e educação. 

Em 2020, por exemplo, uma comunidade cigana em Minas precisou entrar na Justiça para que a prefeitura instalasse um poço artesiano — uma batalha por dignidade que deveria ser desnecessária no século XXI.

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Ainda assim, a cultura resiste. 

Nas feiras de Caruaru (PE) ou Campina Grande (PB), mulheres Calon vendem bijuterias feitas com moedas antigas, enquanto homens negociam gado com uma habilidade que desafia qualquer leiloeiro profissional. Jovens, por sua vez, estão reinventando a identidade cigana: nas redes sociais, influencers romani combatem estereótipos, mostrando o dia a dia de suas famílias 

— das receitas tradicionais às festas de casamento, onde o vermelho das roupas simboliza sorte e prosperidade.

E aqui está uma ironia histórica: enquanto o Brasil se orgulha de ser um 'caldeirão cultural', poucos sabem que expressões como o 'fado' (influenciado por cantos ciganos) ou até mesmo certos ritmos do forró têm raízes nesse povo. 

Até na umbanda e no candomblé há traços da espiritualidade cigana, que mistura respeito aos ancestrais com a adaptação às crenças locais.

Mas a discriminação persiste. Em cidades do interior, ainda há quem evite fechar negócios com ciganos por medo de 'ser enganado'. Nas escolas, crianças enfrentam bullying por seus sobrenomes ou costumes. 

E no sistema de saúde, muitos profissionais ainda tratam comunidades ciganas com desconfiança — como se fossem estrangeiros em seu próprio país.

A boa notícia é que a resistência está ganhando voz. Organizações como a Associação Nacional das Etnias Ciganas (ANEC) lutam por políticas públicas, enquanto artistas e acadêmicos ciganos contam suas próprias histórias, sem intermediários. 

Em 2022, pela primeira vez, o censo do IBGE incluiu perguntas sobre identidade romani — um passo pequeno, mas vital para tornar visíveis milhões de brasileiros que carregam, no sangue, uma herança de coragem e adaptação.

E pensar que tudo começou com um povo que chegou aqui sem bem-vindas, escondido entre as sombras dos navios. Mas como diz um provérbio cigano: 'A estrada não tem dono — ela pertence a quem caminha'. 

E no Brasil, essa caminhada está longe de acabar.

Fonte EfeitoMístico

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