A função Ouvir



Um dos grandes prejuízos do homem contemporâneo é a perda da sutileza de seus sentidos. Existem muitos trabalhos, ou mais ou menos recentes, a esse respeito, principalmente no que se refere ao tato e ao contato corporal. De maneira geral, pode se afirmar que o homem contemporâneo, focaliza o contato visual em detrimento dos outros sentidos. É a nossa adaptação ecológica ao mundo em que vivemos que determina, em grande parte, os sentidos mais utilizados. Dependemos muito mais da visão para atravessar a rua, ver televisão, ler e escrever do que, por exemplo, da audição.          

Um índio atravessando uma floresta ouve dois barulhos. Do seu lado direito, ele ouve um ruído e o identifica com o de uma onça. Do seu lado esquerdo, ouve outro ruído que identifica com o de uma paca. Neste exemplo, percebe-se com clareza que ele faz uma opção importantíssima a partir de uma identificação auditiva. Do lado direito, provavelmente encontraria a morte, enquanto que, do lado esquerdo, daria com o alimento imprescindível a sua vida. Esta é uma situação comum para quem vive como o índio, em uma floresta, onde ouvir é enxergar no escuro.
Se chamamos de escuro as áreas que a visão não alcança, seja atrás da moita, seja em nosso interior, onde reinam eternas sombras(os intestinos, o cérebro, uma boca fechada), o acesso a essas “”áreas de sombra”” será feito através do tato, da audição, da intuição, do insight, e não pela visão.        O ouvir está relacionado com a capacidade de entrega, de ser receptivo e cooperativo. Trata-se de uma atividade basicamente yin, carente numa sociedade altamente yang como a nossa. Segundo o físico Frijof Capra:        

(...) é fácil ver que nossa sociedade tem favorecido sistematicamente o yang em detrimento do yin – o conhecimento racional prevalece sobre a sabedoria intuitiva, a ciência sobre a religião, a competição sobre a cooperação, a exploração de recursos naturais em vez de conservação, e assim por diante.””   Lixo Sonoro – Poluição Certos efeitos da poluição sonora no organismo humano já são bem conhecidos. O excesso de ruídos determina uma enorme gama de doenças respiratórias, psíquicas e até cardiovasculares. A sobrecarga de estímulos sonoros poluentes, o lixo sonoro, gera grande tensão. A maior parte das pessoas reage a essa tensão de forma cumulativa e pouco consciente: irritação, agressividade, estresse. Os efeitos da má utilização do som que penetra por todo o corpo, que altera os ritmos internos, os processamentos cerebrais e o humor são geralmente subterrâneos, mas nem por isso menos letais. Grande parte da sociedade tende a subestimá-los ou mesmo os desconhece. A poluição sonora, ou a quantidade de ruídos nas grandes cidades, tem alterado bastante o comportamento das pessoas, influenciando inclusive as relações sociais.        

O Dr. Steven Halpern relata uma experiência realizada por pesquisadores norte-americanos. Um pesquisador, com o braço engessado, deixa cair uma pilha de livros e papéis na calçada, entre pedestres. Começa a apanhar os livros com ar desanimado, como quem precisa de ajuda. Outro pesquisador está com um cortador de grama a poucos metros de distância.        Quando o cortador estava desligado, 80% dos transeuntes pararam para ajudá-lo a apanhar os livros. Quando ele estava ligado, apenas 15% pararam.        

Todo o metabolismo, os processos mentais, a própria inteligência e a adequação das respostas individuais às contingências da vida são fenômenos vibratórios. Passíveis, portanto, de interferência e intoxicação pela própria poluição sonora. No exemplo mencionado, observa-se como o interesse e a cooperação entre as pessoas diminuem drasticamente na presença do barulho.        É cada vez maior o volume do som nos anúncios de televisão, nos shows, nos carros de som, nas buzinas dos automóveis. Isto irrita as pessoas e as torna mais e mais competitivas e isoladas em suas cascas, incapacitando-as à introspecção, ao insight, às respostas criativas. Elas vão ficando cada vez mais distantes dos sons que inspiram e harmonizam como o som dos brejos, o marulhar das ondas, as batidas do coração, o revoar dos pássaros no fim da tarde.       Extraído do livro MÚSICA, SAÚDE E MAGIA de Ricardo Oliveira