O APARTE


O APARTE

        Perante o enorme ajuntamento de sofredores desencarnados, no Plano Espiritual, o Dr. Bezerra de Menezes, apóstolo da Doutrina Espírita no Brasil, rematava a preleção.

        Falara, com muito brilho, acerca dos desregramentos morais.

        Destacara os males da alma e os desastres do Espírito.

        Dispunha-se à retirada, quando fino ironista o invectivou:

        — Escute, doutor. O senhor disse que a calúnia é um braseiro no caluniador. Eu caluniei e nada senti. O senhor disse que o furto é um espinho no ladrão. Eu roubei e nada senti. O senhor disse que o destruidor de lares terrestres carrega a lâmina do arrependimento a retalhar-lhe o coração. Destruí diversos lares e nada senti. O senhor disse que o criminoso tem a nuvem do remorso a sufocá-lo. Eu matei e nada senti...

        — Meu filho — disse o pregador —, que sente um cadáver quando alguém lhe incendeia o braço inerte?

        — Nada — disse, rindo, o opositor sarcástico —, pois cadáver não reage.
        E a conversação prosseguiu.

        — Que sente um cadáver se lhe enterram um espinho no peito?

        — Coisa alguma.

        — Que sente um cadáver se o mergulham num lago de piche?

        — Absolutamente nada, ora essa! O cadáver é a imagem da morte.

        Doutor Bezerra fitou o triste interlocutor e, maneando paternalmente a cabeça, concluiu:

        — Pois olhe, meu filho, quando alguém não sente o mal que pratica, em verdade carrega consigo a consciência morta. É um morto-vivo. Médium: Chico Xavier)

(De “A vida escreve”, de Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito Hilário Silva)